Anulação do ego
Estava sentado de pernas cruzadas, vestindo uma bermuda, e a Ana virou uma garrafa de água com gás no vão formado entre minha perna e o tecido – nesse momento, ando por Brasília com minha cueca encharcada.
Sempre levo uma camiseta extra quando vou passar um período longo com ela, mas levar uma cueca extra nunca tinha me ocorrido.
Andar com a cueca encharcada e me sentir muito feliz por desfrutar dessas horas com minha filha me faz pensar que a parentalidade é indiscutivelmente contraditória.
Por um lado, é o exercício mais óbvio de anulação do ego, posto que, por instantes, minha existência se justifica pela manutenção da existência dela, pelo pavimentar de um chão feliz para que ela atravesse seus dias.
Por outro, enfio a cabeça em um balde de narcisismo infinito, já que contemplo a perfeição das suas mãozinhas sabendo que são parecidíssimas com as minhas, que não são dadas ao diminutivo e são parecidíssimas com as do meu pai.
Não é fácil sentir a costura da cueca me incomodando enquanto penso que participei da manufatura do ser mais perfeito que já pisou nesse planeta – os pais são poços de ambivalências, falta de dignidade e privação de sono.
A contradição não para por aí: eu seria capaz de jurar que ninguém ama alguém mais do que amo minha filha, mas o marcos, que encontrei no café que tomei antes de ter minha cueca encharcada, e a rafaela, garçonete que me atendeu, também seriam capaz de jurar que ninguém ama alguém mais do que eles amam os filhos que têm, e isso faz do amor que se tem por um filho algo único e completamente ordinário.
Volto pra casa, ainda com a cueca encharcada, e sinto alívio e pesar: entrego a ana para a babá, comemoro e lamento que a manhã acabou – uma manhã longa e curta, na mesmíssima medida.
Penso que graças a deus terei o resto do dia para viver ensimesmado no exato segundo em que sinto a saudade mais dolorida que se pode sentir.
* * *
Semana passada fui me apresentar em um pequeno grupo que não me conhecia e meu impulso inicial foi dizer que sou “pai da Ana", o que não faria sentido, posto que é um grupo que se reunia na expectativa de receber meus préstimos profissionais, “autor dos livros dinheiro sem medo blablablabla”.
Meu impulso inicial me deixou reflexivo e, na sequência, feliz, por dois motivos: o primeiro, mais óbvio, foi perceber que minha mente alinhou as prioridades da maneira mais razoável, deixando o que é indiscutivelmente inegociável na frente do que, com os privilégios postos, pode esperar.
O segundo motivo se relaciona com meu medo pré-paterno de ter uma vida infeliz, de atravessar meus dias com uma postura desistente, reclamando disso e daquilo e daquilo e daquilo, enxergando minha filha como fardo. Hoje, quase dezoito meses depois da chegada da pequenininha, às custas de um bocado de terapia, ombro de amigo, ombro de esposa e rede de apoio, sinto que esse medo está onde deveria estar: num canto de sala, presente, olhando nos meus olhos e me ajudando a não esquecer de construir uma vida boa. Para mim. Um vida boa para mim.
2025
Entrei em 2024 sem trabalhar, focado em usufruir da licença paternidade. 2025, porém, começou nos moldes mais “normais”, menos transitórios. Com trabalho, muito trabalho. Me alegra muitíssimo perceber que, com as devidas adaptações, os projetos que me são caros e queridos seguem e seguem fortes.
Estamos chegando na época das matrículas do Dinheiro Sem Medo, com plataforma nova, aulas novas, plantões, tudo girando tão redondinho, tô morrendo de orgulho aqui. A lista de espera está aberta aqui→ e o site novo→ está no ar ↓
Nos próximos dias, entrarei em contato com a turma da lista. Além de receberem os avisos em primeira mão, a presença na lista garante o desconto de 25% na matrícula.
Os programas completam 8 anos mês que vem. Eles crescem tão rápido, parecem minha fil… meu deus, para de falar de criança, que coisa chata, senhor jesus, que coisa chata.
Um abraço forte, amigos.
Não para de falar da paternidade, não. É interessante e rico acompanhar isso em textos. Estou numa fase muito mais seu fã agora que Ana chegou.
Continue trazendo novidades da Ana! Nada como ter um papai atento e poeta presente nessa fase da vida infantil de tantas descobertas como observar a grama e até um episódio de cueca encharcada. Afinal, quem nunca passou por algo assim. Olhar para isso de forma leve é que é o grande desafio.