Todos os dias
Muito se fala sobre as alegrias de ter um rebento, muito se fala sobre a exaustão parental, pouco se fala sobre a capacidade de um bebê subverter o tecido espaço-tempo de modo a fazer com os pais sintam que, às 11h16 da manhã, já viveram 3 dias e meio.
Muito se fala sobre a importância da rede de apoio, aquela que cuida, que dá amparo, que segura as tretas que aparecem do nado, pouco se fala sobre a rede de gente estranha com presença confortante e familiar.
O mercado ao lado da minha casa foi vendido, uma rede grande o comprou e, pelo que eu havia entendido, trocou todos os funcionários.
Me senti traído e abandonado pela Clau, moça do caixa da padaria que fica no segundo andar – salvo eu e Gabriela, ninguém viu minha filha mais vezes do que ela; todo santo dia, às 6h15 da manhã ou algo próximo disso, eu me arrastava até lá, portando o bebê, em busca de uma xícara da minha droga preferida
Ela deu todos os pitacos indesejados que as pessoas dão, passou uns 10 dias achando que a Ana era um menino porque não tinha brinco e usava azul, me criticou quando eu tirei a ana de casa sem meia, pediu pra pegar a ana recém-nascida no colo logo depois de organizar o dinheiro do caixa, foi perguntar se eu estava fazendo lavagem nasal diariamente porque viu na internet que precisava e perguntou “cadê a mãezinha dela?” pelo menos vinte vezes.
Mas eu gostava muito dela.
Ela nos trouxe ritmo, uma cadência meio confusa, nos ofereceu um carinho levemente impessoal com a voz estridente berrando “oi princesa” a cada vez que eu chegava ao fim da esteira rolante que me levava até o balcão.
E ela o fez todos os dias – a grande questão das redes que cercam um bebê é essa: “todos os dias”. A maior parte dos desafios parentais residem nessa expressão: “todos os dias”.
Com a venda do mercado, a Clau se foi.
Fiquei triste com o fim dessa relação inusitada e utilitária (como todas?): ela me oferecia um cuidado intrometido e um pouco bruto, eu oferecia o frescor de um bebê, a imagem feliz de uma bochecha cheia de colágeno e meia dúzia de perguntas levemente protocolares.
Ontem eu estava passeando com a ana, que está lidando com dias difíceis por conta do surgimento dos dentes (todo pai tem uma desculpa pela ranhetice dos filhos, eu já aprendi) – avistei, a coisa de dez metros, vestida com as cores do novo supermercado, a Clau.
“Claaaaaau”, eu berrei, como se tivesse encontrado um amigo de infância na saída do metrô.
Ela berrou “oi princeeeeesa” (ela claramente não sabe meu nome) e se aproximou do carrinho.
Desejei um bom recomeço no emprego novo, disse que estava feliz que ela seguia por ali, que eu continuava saindo com a ana cedinho quase todos os dias e que amanhã eu passaria por lá.
Ela passou a mão no rosto da ana (onde essa mão estava antes, meu pai amado), ficou estarrecida com a quantidade de cabelo, disse que ela estava cada vez mais linda, pegou ela no colo, perguntou se a mãe da Ana estava bem e disse que precisava voltar pro expediente.
Ana, que estava azeda, sorriu e mostrou o único pedacinho de dente que possui.
A Ana ofereceu o melhor que ela tinha para aquela relação naquele momento.
A Clau também.
Às vezes eu passo horas com o cursor piscando na tela em branco e os parágrafos me escapam. Às vezes eu encosto no teclado e as letras inundam a tela num desespero meio louco.
Hoje não foi uma coisa, nem outra.
Esse foi um texto que eu gestei (ha-ha) lentamente por meses e que encontrou seu tempo agora, dia em que cruzei com a Clau na rua.
Precisei de 15 minutinhos (e alguns meses) para que ele ganhasse forma, e encontrei esses 15 minutinhos em um dia agitado, em que eu estava terminando a gravação das últimas aulas do Dinheiro Sem Medo, um dos meus programas de acompanhamento.
Aproveito esse fim de email para fazer o jabá honesto: a lista de espera está aberta→ e vocês serão muito, muito bem-vindos! A plataforma está linda linda linda e eu regravei cada pedacinho com um carinho que fica até difícil de explicar 💙
Em tempo, a lista de espera para o Finanças Para Autônomos (o outro programa, tão querido quanto) também está aberta, no mesmo link.
Clicando nas imagens acima você acessa as páginas que apresentam os programas – elas vão mudar em breve (!). Eu adorei as páginas novas, espero que vocês gostem também, compartilho logo!
É isso, turma.
Obrigado por tudo e seguimos juntos,
Amuri






Por que você supõe que quando ela diz: Oi, princesa!! , ela tá falando com a criança? -- bom dia, meu querido!!
Eu adoro seus textos, Amuri! E acho que todo mundo tem uma Clau na vida se pensar bem, aquela pessoa que faz parte da rotina mas não exatamente da sua vida pessoal. Eu tinha um vizinho no prédio que todo dia eu encontrava quando saía pra passear com os cachorros. Ele era um pouco mais velho e 7:30 da manhã já estava num belíssimo bom humor, cumprimentando a gente e fazendo festa para os cachorros! Nunca soube o nome dele, mas o apelidamos de “happy guy”. Eu e meu marido comentávamos: ah, falei com o happy guy hoje, ele estava voltando do Starbucks, ele me contou isso ou aquilo. Até que o happy guy comprou uma casa e saiu do prédio, mas a gente sempre lembra do bom humor dele durante as manhãs ❤️