Meu filho virou um mercenário
"Meu filho começou a receber mesada há alguns meses. De lá pra cá, ele passou por algumas fases: gastar tudo no primeiro dia, não gastar nada o mês inteiro, ficar dias sem pensar no assunto, pensar no assunto toda hora… tudo me parecia relativamente saudável. Certo dia, meu companheiro ofereceu 5 reais para que ele o ajudasse na organização do nosso quartinho de bagunça. Ele aceitou.
Dias depois, pedi que ele buscasse uma sacola que havia ficado no andar de cima da nossa casa e ele respondeu que só iria se recebesse 5 reais. Demos uma risadinha meio amarela, desconversamos e seguimos com a vida.
Algum tempo passou e pedimos que ele arrumasse a cama (coisa que ele faz regularmente) e, novamente, ele respondeu que só iria se recebesse 5 reais.
Meu marido respondeu que não pagaria 5 reais para que ele arrumasse a cama, que isso era um absurdo, que não era assim que as coisas funcionavam. Ele respondeu que tudo bem, que ao invés de cobrar 5 reais, ele poderia cobrar 2.
Criamos um mercenário.”
Dia desses estava com Ana, minha filha, no avião, rumo a São Paulo. Não sei se todos estão cientes, mas, do ponto de vista parental, quando você está portando um bebê, o avião é um território sem lei. Vale absolutamente tudo para que a pequena não colapse. Vacila perto de mim que eu boto duas bolacha recheada na boca da dela (brincadeira, eu jamais faria isso, meu deus, que absurdo, isso nunca passou pela minha cabeça).
Depois de cantar todas as músicas que eu conheço e folhear e todas as páginas da revista de bordo, minha filha se entreteve pegando uns bloquinhos de plástico e tentando colocar no bolsão da poltrona da frente. Ela ainda não domina a pinça muito bem, então basicamente o que ela estava fazendo é jogar todos os bloquinhos no chão, enquanto eu, com quase dois metros e hérnia de disco, os resgatava.
Eventualmente ela conseguiu botar o bloquinho no bolsão e o rapaz que estava ao meu lado começou a bater palmas. Eu, que me impressiono até quando ela faz cocô bonito, bati palma também. Ela sorriu, completamente realizada.
O avião decolou, alguns minutos de passaram, ela comeu o biscoitinho dela (que era de aveia, feito em casa, não era um biscoito industrializado, eu juro) e voltou a brincar com os bloquinhos de plástico. Jogou meia dúzia no chão e, de repente, ela conseguiu. Mais uma vez, ela conseguiu.
Para o desespero da minha prole, o rapaz ao lado já havia dormido e não pôde presenciar tal feito. Ana, frustrada pela falta de plateia, começou a puxar a manga da camisa do homem, para que ele tivesse a honra de apreciar o feito que ela havia protagonizado.
Ela queria as palmas dele, ela entendeu que quando ela joga o bloquinho de plástico no bolsão ela recebe palmas de duas pessoas – e não de uma. Bastou um evento para que ela criasse uma relação de causa e consequência, bastou uma repetição para que ela entendesse o conceito de recompensa.
Seu filhote, de nove anos, já domina a pinça, sobe escadas e lê, mas a mente dele é tão condicionável quanto a mente da minha filha. Você e eu já temos quase quarenta, já trabalhamos, fazemos faxina, pagamos impostos e vamos na academia, mas a nossa mente, de maneira levemente mais sofisticada, é tão condicionável quanto a mente da minha filha.
Bastam pouquíssimos episódios para que a criança internalize quais são as supostas regras do jogo.
Talvez alguns (alô, amigos da meritocracia) argumentem que, no episódio do seu pimpolho capitalista, isso não seja um problema, já que no sistema vigente “é assim que funciona mesmo, estamos forjando a personalidade do nosso guerreiro”.
Eu discordo.
A equação é bem mais complexa do que isso. Ao atribuir recompensas monetárias às pequenas ações desempenhadas pelas crianças, em especial àquelas que acontecem dentro do ecossistema familiar, estamos fazendo-as acreditar que a contrapartida financeira sempre vem, de maneira indiscutível, e que é razoável assumir que todas as interações se baseiam na troca, no intercâmbio, no investimento de tempo, esforço e energia em pról do recebimento de algo.
Essa premissa, mesmo no sistema selvagem vigente, é uma falácia: eventualmente trabalha-se mais do que se recebe. Ações passam desapercebidas. Os demais atribuem menos valor aos movimentos que, na nossa visão, são valiosos e dignos de palmas, de biscoitos, de dinheiro.
O que me parece mais razoável é que os movimentos sejam incentivados pelo bem intrínseco que produzem, e não pela recompensa externa.
A criança arruma cama porque é gostoso estar com a família em um ambiente organizado. Cabe aos cuidadores ressaltarem essa sensação. É uma recompensa autônoma: a própria criança reconhece o benefício que ela gerou, para si e para os demais. Oferecer um recurso (o dinheiro) que, em última instância, será trocado por algo, deforma a percepção de valor acerca daquela ação.
Façamos a ponte com uma situação presente no universo adulto. Num arroubo imaturo, assumo que sempre que eu vou na academia, como um chocolate. É a minha recompensa. Rapidamente sou capaz de me esquecer que, na verdade, vou a academia porque quero viver sem dor, porque quero ter um corpo funcional, porque quero ser capaz de amarrar meu próprio sapato quando tiver 80 anos. O que eu quero são os desdobramentos inerentes à ação de ir a academia – e não os bombonzinhos.
Trocar de paradigma é incrivelmente positivo. Converso com empreendedores todos os dias, alunos do Finanças Para Autônomos e alunos da escola de formação para planejadores financeiros. Não consigo colocar em palavras como é difícil lidar com as crenças de que tudo funciona de maneira transacional, toma lá, dá cá: “então, amuri, mas eu fiz isso, e fiz isso, e fiz isso e fiz isso e não deu resultado… como é possível? como é possível?”.
É possível, meu anjo, é possível que você arrume sua cama e seu pai não te dê os 5 reais.
Para a amiga que me ofereceu o relato que deu origem ao texto, uma boa notícia: as crianças são capazes de reaprender, de reescrever esse algoritmo mental, com muito mais facilidade que os adultos. Com um tiquinho de repetição e esforço, a criança será capaz de entender que dobramos as roupas porque dobramos as roupas, e que buscamos água uns para os outros porque é algo gentil a se fazer, e viver em um ambiente gentil é bom.
Gente, agora que eu escrevi meu texto da semana, vou mandar mensagem para meu pai. Quero meus 5 reais.
Lista de espera (com desconto)
Turma, abri a lista de espera para meus programas de acompanhamento: o Dinheiro Sem Medo e o Finanças Para Autônomos. Eles completam 8 anos logo mais (meu deus, como passa rápido). Eu lembro quando gravei a primeira versão da primeira aula, lembro da primeira aluna (obrigado, Erica), lembro do primeiro feedback.
Eles seguem firmes em 2025: maduros, completos, capazes de beneficiar profundamente os que se aproximam. Quatro pilares: as aulas gravadas, os plantões quinzenais, o tira-dúvidas por email e a sessão individual, tudo vitalício.
Tive o prazer imenso de apoiar mais de 3500 alunos até aqui, e eu morro de orgulho deles. Se você gosta da abordagem que utilizo por aqui, eu não poderia recomendar mais. Serão 100 vagas neste primeiro semestre.
Quero entrar na lista de espera→
Qualquer dúvida, me dê um oi no WhatsApp: 11-991631373 (é direto comigo, gente, eu não vou te colocar pra falar com um robô).
Um abraço grande e seguimos.
Longe de querer ser o dono da razão, mas discordo muito do uso das tarefas domésticas, ações do bom convívio como gatilhos pra receber alguma coisa.
Por aqui já comecei a semanada, mas muito mais para ele ter noção do que relacionar a alguma atividade l. Tem sido uma tarefa pra entender que não dá pra ter tudo, que pra comprar a camisa do Bahia nova não pode comprar um álbum de figurinhas todo mês.
Vez ou outra ele volta pra casa com uma camisa nova “do meu dinheiro” e o orgulho pra contar pra todo mundo. Mas as tarefas de casa seguem sendo de casa sem recompensa
morri de rir dos biscoitinhos, hahahahahahahahahaahahahaha